O poeta construtor

JOÃO CABRAL DE MELO NETO: o poeta construtor

Esse é um ano cheio de aniversários literários e a gente quer começar homenageando o poeta centenário João Cabral de Melo Neto. Autor da terceira geração modernista no Brasil, ele construiu sua poesia como um operário. A ideia era buscar a máxima significação em cada palavra escolhida. Parte de sua obra é dedicada exatamente a reflexão sobre o fazer poético, os metapoemas.

Mas foi com “Morte e vida severina (ou Auto de Natal Pernambucano)” que João Cabral ganhou notoriedade. Sempre dizia que esse não era seu poema preferido e que, se pudesse, mexeria tanto nele que acabaria com o texto. Para nossa sorte, ele não fez o que disse. E nós conhecemos Severino retirante, que sai do sertão nordestino em busca de sobrevivência. Quando não vê mais esperança para si, depara-se com o nascimento de um menino: o ciclo da vida que se inicia e a necessidade de encarar o caminho com fé.

Abaixo, você pode se deliciar com seu poema “A mulher e a casa”:

Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,

uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.

Designed by Freepik Designed by macrovector / Freepik

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *